Por Raphael Mendes*

É engraçado pensar que o grande trunfo da franquia The Conjuringverse tenha, possivelmente, se tornado a sua maior maldição.
Invocação do Mal, o primeiro filme da série cinematográfica, aclamado pelo frescor dado ao gênero do terror sobrenatural em plena década de 2010, nem parece pertencer ao mesmo universo cinematográfico que Invocação do Mal 4: O Último Ritual, que chega com a promessa de dar um fim à saga dos demonólogos Ed e Lorraine Warren nos cinemas. Há um abismo de qualidade e esforço entre essas duas produções.
Seria esse um problema relacionado a quem ocupa a cadeira de direção? Desde que James Wan, diretor das duas primeiras obras da quadrilogia, abandonou o comando das suas crias para se retirar ao cargo de produtor, os espectadores sentem falta da criatividade, inventividade e precisão inerentes ao olhar dele, que marcaram os momentos mais assustadores dos Warren em longas-metragens que assombram o imaginário do público até hoje.
É possível que o conceito de “universo cinematográfico”, em crescente popularidade na década na qual o The Conjuringverse ascendeu ao sucesso, tenha alcançado a franquia da pior forma possível. A preocupação de Wan e dos demais produtores, no geral, em construir os filmes da série Invocação do Mal mais inclinados ao blockbuster do que ao terror e em conceber spin-offs desnecessários e mal executados em busca de bilheteria tornaram esse conjunto de obras em algo comum, dentro dessa indústria espetacularizada.
É um fato que, diante de tudo isso, Michael Chaves, que dirigiu as 3 últimas produções do The Conjuringverse, parece ter plena consciência de que ele não é Wan, enquanto diretor – e que ele não consegue replicar a autoralidade que estava presente nos dois primeiros filmes. A questão é que ele não se esforça para sequer chegar perto, e frustra o público com um resultado que fica tão aquém do que Invocação do Mal já foi que é entristecedor. Sem inspiração alguma durante boa parte da obra, o diretor deixa a desejar no comando de uma obra do gênero.
Como de praxe, a narrativa se dedica a explorar o núcleo dos Warren tanto quanto busca nos ambientar na realidade da família vitimada pelas assombrações, querendo estabelecer laços entre público e novos personagens e cultivar, em nós, uma empatia por eles. Mas eles fracassam muito, aqui, já que a família Smurl nos parece, a todo momento, desinteressante e sem charme. No fim, o que nos faz torcer para que os Warren salvem eles é meramente uma bússola moral, já que não há sentimento que nos coloque no lugar deles.
Falando nos Warren novamente, como é possível que os protagonistas de toda uma franquia cinematográfica sejam relegados, em pleno encerramento de saga, a coadjuvantes de personagens inexistentes ou irrelevantes nos 10 anos anteriores de série? A chegada de Judy Warren e Tony Spera coloca Ed e Lorraine de escanteio, quase como se estivéssemos sendo preparados para uma nova geração de demonólogos assumirem a franquia (no maior estilo de universo cinematográfico, mesmo). Ainda que as performances de Mia Tomilinson e Ben Hardy sejam decentes, boa parte do que nos atrai de volta a essas obras, de fato, é a presença de Ed e Lorraine e a relação quase sobre-humana que há entre eles – e a nossa sorte é que, mesmo sem um bom material nas mãos, Patrick Wilson e Vera Farmiga colocam seus talentos e seu entrosamento em jogo para não serem apagados do enredo.
Enquanto o sobrenatural começa a ocupar a trama em momentos anteriores da duração dos outros longas-metragens da série, O Último Ritual se vê explorando muito mais o romance e o drama nos 2 primeiros atos da produção – o que descaracteriza tremendamente a saga. O clima de terror não é devidamente instaurado, e temos a impressão de que a progressão e o ritmo estão acontecendo e sendo apresentados com muito atraso.
O terceiro ato, todavia, entrega o que se espera de um encerramento de um filme como esse. A trilha sonora estrondosa, a entrega física e cênica do elenco, e a formulação e a composição dos sustos até relembram os fãs dos bons tempos da franquia, fazendo valer (um pouco) a pena a paciência de aturar o que veio antes do clímax. Se, de fato, Invocação do Mal 4: O Último Ritual for o evento derradeiro do The Conjuringverse, a sensação que fica é a de que esse universo se despede tarde do público. Só o apego que os fãs têm pelos Warren e pelos seus intérpretes é capaz de fazê-los ignorar os erros que esse filme comete – e mesmo que seja um bom motivo, não apaga a decepção na qual essa outrora série memorável infelizmente se tornou.
* Raphael Mendes é mestrando do PPGArtes/UFPA e egresso do Curso de Cinema e Audiovisual da UFPA.


Deixe um comentário