Por Nickolas Portilho*

Imagine que um clube de futebol falido precisa arrecadar fundos, mas em vez de seguir pelo caminho tradicional como criar um programa de sócio-torcedor ou realizar campanhas de doações, o clube decide rifar um porco. Essa é a história do filme “A Rifa do Porco Julinho”, curta-metragem de 20 minutos, escrito e dirigido por Gabriel Darwich. Lançado em 2025, o curta apresenta um clube tradicional e fictício de Belém, o Atlético FC, que, enfrentando dificuldades financeiras, faz a rifa de um porco doado por um torcedor apaixonado.
O filme é o primeiro trabalho não universitário de Darwich, cineasta graduado pela Universidade Federal do Pará. Idealizado pela primeira vez em 2021, em meio a pandemia e aulas online, a fagulha de inspiração para a criação do projeto nasceu de uma notícia falsa que circulou em grupos de WhatsApp na época, mas foi desmentida rapidamente. E, baseado nesses fatos não tão reais, o filme nos convida a pensar “e se fosse verdade?”. Com um roteiro linear, a trama se desdobra com entrevistas e depoimentos dos personagens envolvidos diretamente com o porco. O roteiro tem plena consciência de que o público está ansioso para conhecer o Julinho, então não há grandes preocupações com os eventos anteriores, como a identidade do torcedor que doou o porco ou a reação dos torcedores a esse ato. O público embarca em um trem que já está em movimento há algum tempo e vai compreendendo a situação à medida que os relatos dos participantes da história são apresentados.
Por se tratar de um falso documentário (mockumentary), “A Rifa do Porco Julinho” poderia seguir por diversos caminhos: algo com mais ação, dramático ou um suspense, mas o roteiro opta pela sátira que resulta em humor. A exploração do absurdo da situação é feita de maneira quase convincente, mesmo que o filme não seja definido pela comédia. O humor aparece de maneira pontual e é bem elaborado, geralmente surgindo de forma natural nas ações, falas ou carisma dos personagens, e o principal deles é o Julinho. O porco, cujo nome verdadeiro é Bardock, é – não tão – surpreendentemente o personagem mais cativante do enredo. Sempre ao lado de sua cuidadora, interpretada por Marina Di Gusmão, Julinho domina a tela, pois há uma certa graça em observar um animal grande feito ele sendo tratado como o mascote mimado de uma equipe de futebol. São detalhes simples que dão o tom de humor para a história, mesmo que Gabriel, o diretor, já tenha mencionado que não vê o filme como uma comédia.
Pode ser desafiador ligar a suspensão de descrença ao ler a sinopse, podendo soar até um pouco tosca, mas a preparação do elenco ajuda a contornar essa questão de maneira eficaz. A atuação do saudoso Mário Zumba revela a naturalidade nas ações que essa preparação proporciona, com suas falas formais e polidas, fazendo o espectador acreditar que está vendo um verdadeiro jornalista esportivo. O filme também se utiliza de elementos da realidade e estereótipos para que os atores marquem presença em cena: o tom sério e firme do diretor do clube, que sempre está acompanhado de um charuto na mão – tal qual um mafioso de filmes dos anos 90, o jeito de falar carregado do granjeiro e suas roupas sujas, a forma suave com que a cuidadora se dirige a Julinho e à câmera, e o comportamento descontraído e caricatural do delegado de polícia. Todos parecem autênticos.
O filme é um retrato da cultura paraense que ama futebol, mas também um abraço pela sua representação. Com rivalidades históricas, como as entre Remo e Paysandu na cidade, torna-se fácil perceber a inspiração por trás do Atlético FC e da Desportiva, representados por cores opostas. Na construção dessa nova Belém do zero, a equipe de direção de arte, sob a liderança de Victor Moura, realiza um trabalho excepcional. Por trabalhar com uma equipe de futebol fictícia, os desafios em relação à locação e à promoção do clube são mais complexos. Ao filmar nas ruas, a câmera permite que o espectador veja diversas camisetas do Julinho expostas em cordas de barracas de vendedores ambulantes, crianças torcedoras segurando brinquedos de réplicas amarelas em homenagem ao bicho e até lanches com seu nome, criando a impressão de que tudo isso é real. De certa forma, realmente é. O carinho que os fãs nutrem pelo futebol e pelo fictício Atlético FC está presente em uma grande parte da população do Brasil, e não apenas no Pará.
Além das locações, a trilha sonora do filme contribui significativamente para a imersão na obra. Belém é, por sua natureza, uma cidade barulhenta, repleta de vivências em cada metro quadrado das ruas, e capturar essa realidade na tela não é simples – mesmo que a maior parte da história ocorra em ambientes fechados. Captar a essência de uma cidade grande apenas por meio do som é uma tarefa realizada com destreza por Daniel Magno, que lidera essa equipe. Não só isso, mas a composição de uma música original que embala o início e o final do filme, intitulada de “O Samba do Julinho”, apresenta um ritmo leve que lembra o público que está assistindo a uma obra genuinamente brasileira – afinal, qualquer um já ouviu por aí o som característico de uma cuíca, não é?
“A Rifa do Porco Julinho” é um curta que reafirma o poder que o cinema brasileiro tem como uma forma de arte e de expressão social, mostrando como o futebol pode ser o elo para a criação ou construção de vínculos e afetos entre as pessoas. Ao mesmo tempo, a obra envolve tanto os apreciadores quanto os não apreciadores do futebol a celebrar um esporte que representa o Brasil, assim como a cultura do Pará.
* Nickolas Portilho é aluno do Curso de Comunicação Social – Jornalismo da UFPA.


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