Crítica de Sorria 2

Por Adso Sabádo*

Sendo um dos filmes que mais ganharam destaque e visibilidade do público em 2022, Sorria entrega uma história divertida e engajadora, com uma leveza no quesito de complexidade, uma vez que, se enxergando como um terror popular e propondo ser um filme como tal, não se poderia exigir do filme uma trama complicada onde os pontos fortes não fossem o terror visual e os sustos ocasionais, junto com o clima e a tensão presentes no filme e acentuados pela música. Elementos esses que o filme faz muito bem.

Sendo um terror divertido e seguindo a concisa e sólida fórmula para se fazer um bom terror, não foi a toa que Sorria caiu no gosto do público. Já era de se imaginar que o filme teria uma sequência – por mais que tenha me impressionado a rapidez com a qual a sequência tenha vindo, considerando o longo tempo que as atuais grandes produções levam para que sejam finalizadas. Logo 2 anos depois, em 2024, veio ao mundo sua continuação, Sorria 2. O potencial trazido pela natureza da entidade do filme em questão, e também de que tal natureza possibilita uma ampla variedade de protagonistas que podem ser atormentados por ela, vejo quase como certo que, em não muito tempo, já tenhamos Sorria 3 para assistir, e não seria surpresa o contínuo sucesso de uma franquia que parece conhecer os caminhos para agradar o público que gosta de um bom filme de terror. 

Vale ressaltar que Sorria 2 é o produto de uma indústria, e minha percepção assistindo ao filme foi a de que o próprio filme se enxerga como tal. Sorria 2 não parece ter medo de se afirmar com um terror clássico, e por isso qualquer escolha feita pelos personagens, qualquer reviravolta e qualquer artifício de roteiro visto no filme pode facilmente ser visto em uma variedade de outros filmes do gênero terror clássico. Por isso, qualquer crítica, ao meu ver, de tais elementos, não seria tão bem fundada se direcionada tão apenas ao filme em si, e sim se apontados à indústria como toda da qual o produto faz parte. E também da maneira como o diretor/roteirista Parker Finn encaixa, em seu filme, os elementos de terror já consolidados pelo gênero. 

Apesar de que um filme entregue sobre as pragmáticas asas do cinema clássico seja um terreno confortável para se trabalhar (uma vez que a familiaridade do público para com o que ele está assistindo é praticamente instantâneo), o uso de tantas fórmulas e modus operandis é uma faca de dois gumes, pois ao mesmo tempo em que o público tenha uma tendência maior a gostar do filme, a tendência é quase equivalente à facilidade do público de esquecer-se do filme. Tal efeito ocorreu comigo mesmo, uma vez que eu apenas lembrei-me de já ter assistindo o filme Sorria quando o assisti novamente para que pudesse lembrar-me da história antes de ver o Sorria 2. Na minha cabeça, havia a confusão entre o primeiro filme da franquia e outro filme de terror, com premissa um tanto quanto similar, Verdade ou Desafio, de 2018. Tal ocorrido apenas me fez pensar no quanto é real a questão de que, com a imensa liquidez de filmes novos sendo produzidos, é quase impossível que nos lembremos com precisão acontecimentos específicos de apenas um entre os 60 (média pessoal baseada na minha própria experiência) filmes assistidos em um único ano. E o valor de tal evento dentro do filme se torna ainda menor quando é algo que já se tenha visto em tantos outros filmes similares. 

Enfim, partindo para crítica em questão, Sorria 2 tem um começo surpreendente pelo fato de tentar ser expositivo e mesmo assim conseguir ser confuso. O roteiro sacrifica (e resta a eterna dúvida se foi de forma intencional ou não) a naturalidade de uma cena que, confesso, vinha me engajando em sua tensão e suspense, tão apenas para fazer, literalmente, o personagem falar sozinho (Um momento tão bobo que eu até desacreditei fazer parte de um filme de terror)  para expor a natureza da entidade. Porém, a cena passa longe de conseguir explicar tal natureza e falha tanto em manter a imersão do espectador quanto expor o que pretendia. Logo depois começa um tiroteio do nada, o personagem que acompanhamos foge, é atropelado e tem seu corpo brutalmente destruído pelo carro, dando fim a uma cena inicial sem sentido, sem nexo, e sem qualquer conexão com o resto do filme, porque em nenhum outro momento da história o acontecimento é, sequer, mencionado ou revisitado. Inclusive, no decorrer do filme, o roteiro nos explica novamente sobre como funciona a maldição lançada pela entidade, o que faz com que a necessidade de expor tal informação nesse começo se torne ainda mais sem sentido. Mas ok, a cena serve para que o carro que atropelou o finado que acompanhávamos faça uma curva, deixando o rastro de sangue no chão com o formato de um sorriso e chamando o título do filme. 

Está nessa falta de nexo dos acontecimentos, como citei acima, a principal falha de Sorria 2. O filme se aproveita do fato de que a entidade maligna atue na mente da pessoa assombrada, e por isso os momentos de terror acontecem através de alucinações que nossa protagonista tem. Ou seja, não há consequências reais no filme. E isso, ainda mais se considerando que este é um filme de terror, onde as consequências deveriam ser um dos elementos mais importantes no decorrer da narrativa, é muito frustrante. Todas as cenas – e até mesmo no ápice do clímax do filme – nas quais a protagonista Skye está sendo “perseguida” pela entidade acabam, no momento em que Skye quase está sendo pega pela entidade, com outra pessoa tirando a protagonista do transe. Ou seja, depois de um tempo, começamos a perceber que aqueles eventos nunca terão um perigo real, pois nunca há consequência alguma e, mesmo quando finalmente parece que o filme cria coragem e mostra uma consequência real, quando Skye mata sua mãe no hospital, logo depois é revelado, em um plot twist mixuruca, que novamente os eventos não passavam de mais uma ilusão, tirando qualquer peso dos acontecimentos. E o pior é que, pela razão de termos sido enganados o filme inteiro e pelo fato da cena quebrar um clímax muito bem construído pela cena anterior, a consequência final, quando Skye comete suicídio no palco de seu show , não parece ter peso algum, não mexe com o público da forma como deveria mexer, apesar dos efeitos visuais serem realmente perturbadores. É quase irônico que a única consequência da história não é mostrada no filme, sendo ela o acidente de carro que antecede o começo da obra. 

Ainda falando das faltas de consequência, se tratando de uma entidade que assombra a protagonista através de alucinações, seria de se imaginar que a destruição de Skye viria através de sua mente, e o filme realmente ensaia isso, mostrando que a relação dela com os outros personagens desmorona, assim como sua carreira. O filme faz bem em construir essa percepção de Skye de que ela está enlouquecendo, e tal loucura chega ao ápice quando ela assassina sua própria mãe. Porém, o filme destrói tudo o que construiu, mostrando que todas as intrigas causadas pelo enlouquecimento da protagonista não passava, também, de uma alucinação, e por isso, como eu disse, seu suicídio perde o peso, pois toda a trama antecedente é, literalmente, jogada fora segundos antes da cena. 

Agora, quando o assunto é terror visual, Sorria 2 consegue ser morbidamente perturbador e medonho. O ponto forte do filme está nisso, e por isso digo que é um filme divertido. A violência gratuita seguida de sustos, e acentuadas por uma trilha musical realmente muito boa e assustadora diverte, sim, em sua bizarrice. A cena, por exemplo, em que Skye é perseguida por todas aquelas pessoas esquisitíssimas dentro de sua casa é tenebrosa, e duvido que eu me esqueça dela tão cedo tamanho impacto visual carregado pela estranheza envolvida nesse momento repentino. A cena em questão é um luxo visual do terror, os movimentos nitidamente coreografados quase parecem algum tipo de dança, o que remete à profissão da protagonista. A pena é que uma cena visualmente tão macabra e, em quesito de terror, tão boa, seja estragada pelo fato de que não terá consequência alguma no decorrer do filme. 

A impressão que dá, e muito provavelmente é por isso mesmo, é que Sorria 2 é um filme de Tik Tok, por essa razão é notável a grande ênfase no quanto o visual é bizarro e assustador, e o terror psicológico, que é o terror que realmente mantém o filme vivo dentro da mente do espectador mesmo até anos depois de que ele tenha assistido o filme, tenha sido quase inteiramente descartado. 

Por essa razão de ser um filme feito para ser vendido e divulgado nas redes sociais é que, ao que parece, o filme seja um amontoado de clipes de terror sobrepostos, compilados de uma forma que finja fazer algum sentido. E não à toa, visando a divulgação através de vídeos em redes sociais e o público alcançado por esse marketing, é que, ao meu ver, o filme optou pelo fato de que a protagonista é uma cantora pop star. Dentro do filme estão presentes músicas e danças que certamente foram usadas na divulgação do filme. No mais, o filme não deixou de ser divertido por esse fato. Sorria 2 faz muito bem o que se propõe a fazer, assustar e impactar seu público com um terror que, mesmo que não faça tanto sentido, é medonho e, visualmente, assustador. Sua falha está em ser um tanto frustrante quanto a questão de que seus eventos não têm grande continuidade e não têm muito peso.

* Adso Sabádo é aluno do Curso de Cinema e Audiovisual da UFPA.


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