Crítica do filme Operação Guaraná

Por Lucas Da Conceição /

Operação Guaraná é um curta-metragem escrito e dirigido por Giuseppe Gracio. Lançado em 2023, como parte do trabalho de conclusão do curso de Cinema e Audiovisual da Universidade Federal do Pará, o filme se apresenta como um found footage que aborda temas ligados ao sensacionalismo televisivo, utilizando suspense misturado com sátira e humor para entreter o público.

Como relata a sinopse do filme, a história inicia apresentando “Uma equipe de TV sensacionalista que reúne especialistas na cidade de Moquebatu da Moca, onde os moradores locais acreditam na lenda do “Tupã-Guaraná”, uma criatura que seria responsável pelos desaparecimentos na região. Por meio de relatos e entrevistas, o caso se desenrola com situações cada vez mais absurdas”. Produzido pelo coletivo Paradoxo Filmes, o curta de baixo orçamento provoca sensações mistas ao juntar dois gêneros, o suspense com predominância do humor, utilizando-se do found footage como recurso narrativo. Vale lembrar que por ser o resultado de um TCC, sua importância está além de um simples filme universitário, mas uma representação do que as novas gerações de cineastas podem fazer como profissionais.

O filme inicia com a clássica mensagem dos footage Found, “Essa matéria jornalística foi recuperadas de uma fita VHS em péssima qualidade, todos os envolvidos então desaparecidos ou mortos”. Após isso somos apresentados a tal matéria jornalística e conhecemos a personagem principal, “A entrevistadora”, interpretada por Mayara Lopes. Ela é uma jornalista iniciante em busca de uma matéria que dê visibilidade nacional. A investigação jornalística se inicia por meio de entrevistas com moradores da região que estão com medo de uma criatura misteriosa, o Tupã Guaraná. Especialistas no tema também são entrevistados e dão complemento à trama. O filme foca seu humor no exagero, representando situações incomuns, uso de edição e montagem presente no filme e no diálogo regionalista cômico.

 A trama se dá a partir dessa estrutura: entrevistas com moradores, com especialista e simulações dos relatos na intenção de criar um suspense em volta da criatura misteriosa, juntando pistas para que o tal monstro possa ser capturado. Apesar da estrutura narrativa simples, a história se mostra dinâmica com personagens diversificados e humorados.

A princípio o roteiro pode agradar pessoas pré-determinadas a gostarem de suspense ligadas a mitos, principalmente regionais. O título faz referência direta a “Operação Prato”, nome da investigação militar conhecida na região norte por investigar Ovnis. Contudo, o final de Operação Guaraná decepciona a busca pelo Tupã-guaraná: todos os cinco especialistas entrevistados pela repórter se juntam no último lugar de aparição da criatura. A noite cai e nada aparece, até que de repente, eles ouvem um barulho vindo da floresta. Todos vão a até lá na esperança de capturá-lo, porém para a decepção dos personagens (e do público também), o único animal encontrado é uma simples capivara perdida na floresta.

QUESTÕES TÉCNICAS

A estética real da obra se mostra inconsistente comparada a fitas VHS. Visualmente e sonoramente o filme não se assemelha à estética proposta, por outro lado, a fotografia, sim, tem um aspecto que tenta simular o analógico tradicional dos cinemas: uso de grãos, contrastes bem definidos e uma tonalidade mais quente. A simulação do analógico é um recurso bastante usado pela indústria, nesse caso, talvez, não fosse a melhor escolha, tanto por  não se assemelhar ao VHS, como também por tirar o realismo encontrado em documentário ou matéria jornalística.

O Found Footage é um recurso perfeito para o terror e o suspense, pois é barato e agrega narrativamente à obra, dando uma sensação de amadorismo e realismo. Já para a comédia, é uma escolha arriscada. Operação Guaraná utiliza deste recurso dentro da sua estrutura narrativa, dessa forma espera-se que os espectadores assistam com um olhar também no realismo. Apesar do contexto, os outros elementos presentes no filme deixam essa ideia menos atrativa para o público. O uso do humor exagerado, uso de atores não profissionais em papéis secundários, roteiro limitado e baixo orçamento, tudo isso retira atenção de pontos que deveriam ter destaques em gêneros como esse, contribuindo para a estética incoerente do filme.

O filme tem ritmo dinâmico, o que nesse caso significa dizer que, para o público certo, não será cansativo, apesar dos trinta minutos de duração. A montagem é um ponto que se destaca, atua como elemento chave para certas piadas, por esse motivo o principal elogio vai para a relação do humor com a montagem, realizada por Lucas Rodrigues. A obra consegue construir ótimos “timings”, confrontando imagens a fim potencializar as piadas nas cenas.

A estética não definida e a complexidade narrativa aliada com baixo orçamento trazem a questão: até que ponto a direção e a produção do filme estava pronto para um projeto como esse? O filme tem uma infinidade de personagens secundários (Moradores e Especialistas), o que por si só é um grande desafio para a direção entregar uma representação convincente em todos os sentidos. O uso do found footage é uma boa escolha para aqueles que buscam apreciar um filme pelas qualidades criativas, já que as qualidades técnicas são limitadas, mas não acho que Operação Guaraná consegue tirar vantagens desse gênero cinematográfico. Dessa forma, não é possível dizer que esse departamento é um dos destaques do filme por tudo o que foi apontado. Claro que não é justo julgá-lo para ser uma obra perfeita devido aos contextos em que o filme está inserido.

É possível assistir ao curta como um simples produto de entretenimento, nem muito bom, mas também nem muito ruim. Se esta fosse a única perspectiva no filme, poucas coisas poderiam ser destacadas como ótimos ou excelentes. Mas é possível ir além, buscar teorias presentes na estrutura do filme que possam elevá-lo para uma obra artística que traz questionamentos importantes para a sociedade. Ampliando a busca é possível chegar a teorias além das técnicas destacadas acima, e é nesse ponto que de fato o curta nasce e traz questões importantes. O que não necessariamente é algo positivo para a forma, pois causa uma mistura de sensações, o que pode deixar dúvidas em quem assiste com um olhar um pouco mais atento.

TEORIAS DO AUTOR

Cinema é antes de tudo uma linguagem utilizada da Arte para contar histórias. Partindo dessa ideia podemos buscar dentro da obra uma tradução de todos os elementos individuais presentes nelas para decifrar aquilo que é dito pelos realizadores. É evidente que não é a intenção dessa crítica analisar cada detalhe presente no curta, mas sim elementos técnicos e criativos evidentes que contribuem para o tema: o sensacionalismo jornalístico como produto de entretenimento.

Muitas vezes o jornalismo televisivo, tema abordado pelo curta, não entrega apenas informações ao público. O entretenimento se tornou uma parte importante dos telejornais. A busca por espectadores faz com que crimes reais se tornem matérias-primas para horas de noticiários sensacionalistas com a intenção lucrar em cima de superexposição de vítimas e familiares. Operação Guaraná tenta por meio de seu enredo fazer uma crítica nesse sentido. Todos os personagens são exagerados, caricatos e aparentam não se importar com nada além de objetivos pessoais. Podemos interpretá-los como uma representação satírica da sociedade consumista, que está em busca a todo tempo de algo para saciar sua “fome”.

Esta mesma teoria pode ser relacionada com outro detalhe do filme. Apesar da investigação, o Tupã Guaraná nunca é visto, até mesmo no final quando o filme cria um suspense por sua aparição, o ser misterioso na floresta se mostra uma simples capivara, quebrando as expectativas dos especialistas e do próprio público. Essa escolha narrativa também mostra como muitas dessas investigações sensacionalistas são vagas e no final não significam nada.  Só sabemos do ser místico por meio das entrevistas e não temos uma resposta final para o que ele é. Real? Falso? Fruto de uma histeria coletiva? Não importa, pois não é a função da mídia sensacionalista mostrar a verdade.

Outra questão a ser observada está na própria personagem principal, a “Entrevistadora”, que não tem o nome revelado, veremos o porquê disso ser uma sutileza inteligente por parte do autor. Tendo como ponto de partida a sociedade consumista, e a demanda do sensacionalismo midiático, a personagem é antes de tudo uma vítima desse sistema. Após não conseguir o furo jornalístico que queria, a repórter se lamenta no canto de uma sala. Assim, é possível que a entrevistadora seja fruto da sociedade do consumo, onde as massas são mais importantes que qualquer outra coisa. Por esse motivo ela busca a ascensão profissional por meio de uma matéria jornalística que através do sensacionalismo prende o público. Por não ter nome, significa que a entrevistadora não “existe”, ou não tem personalidade, algo que vai de encontro com os conteúdos da mídia sensacionalista.

Por se tratar de uma obra realizada por jovens cineastas, é cabível ir além e se questionar até que ponto as críticas feitas no filme não fazem referência ao próprio cinema como produto midiático. Assim como outros produtos artísticos e culturais, o cinema não escaparia das reproduções em massas, produtos feitos de forma imediata, superficiais e limitados. É nesse momento que a principal dúvida da crítica surge: até que ponto o filme não é uma mera reprodução daquilo que ele critica?

QUESTIONAR A TEORIA COM A PARTE TÉCNICA

Para o público menos atento talvez esta seja a primeira impressão deixada, mas para aqueles que buscam significados ocultos, conseguem se deparar com uma crítica profunda. Desse modo podemos perceber um impasse que divide opiniões. O filme é aquilo que ele critica? Ou o filme usa sua estrutura para criticar? Seja qual for a resposta, essa dicotomia significa dizer que o filme erra em não deixar claro aquilo que ele propõe.

Apesar de terem domínio sobre o que querem fazer, o significado de uma obra não é definido pelos autores e sim por quem assiste, o público, essa é uma das funções da arte. Gosto de acreditar que o curta usa sua estrutura como recurso narrativo e as escolhas estéticas e de gênero fazem parte da repreensão da sociedade do consumo. Ao criticar o sensacionalismo por meio da sátira, reproduzindo o mesmo, o filme tem legitimidade para contextualizar o baixo orçamento e a equipe amadora.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Portanto, no fim, não importa quais os resultados reais do autor sobre sua obra, o filme tem sua própria autonomia, impõe aquilo que é por meio de sua estrutura narrativa e estética.

Com base em tudo o que foi dito, Operação Guaraná não se torna um filme perfeito, há sim muitas coisas boas a serem usadas como exemplo. O mais notório deles é usar a própria forma narrativa baseada em limitações fora do filme (como as limitações econômicas), com a maioria dos Footage found faz. Outro ponto que vale destaque é sobre como filmes com mensagens profundas podem criar sentidos a partir de representações rasas.

Ainda assim, o filme não escapa do questionamento, essa abordagem seria a melhor forma de se fazer uma crítica? E é por isso que o filme causa tanta dúvida. Em cenas mais sérias, como as que os personagens se mostram decepcionados por não conseguirem o que queriam, deveriam ser mais claros e até mesmo ter uma mudança de tom, quebrar o humor estabelecido, mesmo que fosse retomado em seguida. A falta de uma estética estabelecida é o principal motivo para o curta não atingir patamares superiores, mas isso não significa que o filme não é bom, pelo contrário. É uma obra que pode abrir grandes discussões, principalmente para novos cineastas. É possível aprender com os erros e acertos de Operação Guaraná.


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