Crítica do seriado Love and Fortune

Por Tani Lobato*

Love and Fortune (no japonês 恋とツキ Koi to Tsuki) é o tipo de dorama que não tem medo
de colocar o espectador em uma posição desconfortável, visto que ele não suaviza a
temática pesada que aborda, trazendo uma abordagem bem crua sobre o tema principal: a
pedofilia. O mais importante ainda é que é mostrado que esse crime não tem gênero, que o
agressor não é sempre o “homem mais velho e pervertido” como o estereótipo costuma
sugerir. Essa conduta também pode ser realizada por uma mulher e quem costuma seguir
por esse caminho é alguém aparentemente comum, que usa o afeto e a atenção como
ferramentas de manipulação. Nesse caso, é Wako Taira, a protagonista de 31 anos.
Ela é uma mulher casada que trabalha num cinema cultural da cidade, e em muitos sentidos, a encarnação do egoísmo mais cruel: aquele que se disfarça de fragilidade. À primeira vista, pode parecer uma mulher frágil, solitária, vivendo uma vida sem brilho e em um relacionamento infeliz com um namorado “gamer” tóxico, que não a escuta, não a valoriza, não a trata bem. Você vai sentir pena dela conforme a história se desenvolve — e o dorama constrói essa ambiguidade propositalmente. Mas, quanto mais você acompanha as vivências de Wako, as camadas vão se desdobrando e a máscara de vítima começa a
cair, pois ela não é apenas infeliz. Ela é, acima de tudo, manipuladora.


Ela mente constantemente. Mente para o namorado, para o adolescente Iko que ela
manipula, para o ex-namorado (que aparece um pouco depois na história, querendo voltar a ter um relacionamento com ela), para os amigos, para os colegas de trabalho, para a família. Ela mente até para si mesma. Vive em torno de mentiras porque não tem coragem de encarar a verdade: ela é carente, profundamente insatisfeita com tudo ao seu redor e incapaz de lidar com a realidade da sua própria mediocridade emocional. Ao menor sinal de tédio ou frustração, ela corre para o próximo vínculo emocional que possa aparecer. Nunca permanecendo, nunca se aprofundando. Apenas consome e abandona. Suas relações são
como parasitas emocionais disfarçados de busca por amor.


O que mais choca no desenrolar da história é a maneira como ela se aproxima de um
adolescente inocente e transforma esse vínculo em algo doentio. Iko é um garoto puro, sincero, talvez idealista demais, e acaba entrando em um jogo emocional que ele não tem maturidade para compreender. No fim, ele começa a replicar os mesmos comportamentos controladores, possessivos e tóxicos que vemos em tantos homens adultos. Ele começa a agir dessa forma quando vê que Wako tem chance de traí-lo, afinal, ela traiu o marido com Iko, o que impediria ela de trair novamente? Ela é o ponto de origem de uma cadeia de dor que se propaga. Ela sabe que está errada. Ela tem plena consciência da gravidade do que está fazendo. Mas ela continua. Sempre
com mentiras, se escondendo e evitando as consequências.

Esse dorama é perturbador porque mostra algo que muitas narrativas evitam: que pessoas ruins nem sempre parecem ruins à primeira vista. Que o predador pode ser gentil, pode sorrir, pode parecer vulnerável. E que pensamentos intrusivos — como sexo com menores, violência, traição, desejo de controle — podem existir dentro de qualquer um. A diferença é o que se faz com esses pensamentos. Ter pensamentos ruins não te torna uma má pessoa. O ser humano é cheio de impulsos sombrios e complexos. Mas Wako não apenas pensa — ela age. E por isso, ela se destrói e destrói os outros ao seu redor.

O que torna a narrativa ainda mais intensa é a ausência de qualquer tentativa de redenção por parte dela. Wako não se arrepende de forma convincente, não tem um arco de redenção com lágrimas e perdão. E é justamente isso que torna tudo mais real. Nem todas as histórias têm recomeços. Algumas pessoas não mudam. Algumas pessoas continuam escolhendo o egoísmo, a mentira, a fuga. E esse é o caso dela. Por isso, não acho que ela mereça um final feliz. Não é uma punição cruel, é simplesmente a consequência de suas próprias escolhas.

O mesmo vale para o diretor de filme. Este figurante do dorama é um diretor que Wako e Iko são fãs, e acaba que de certa forma ele funciona como uma figura simbólica — talvez até representando o olhar cúmplice da sociedade, que frequentemente fecha os olhos quando o agressor não se encaixa nos estereótipos usuais. Mesmo assim, é inegável que a história é bem contada. Tem ritmo, tem tensão, tem um roteiro afiado e atuações complexas. Por mais que o final possa frustrar ou incomodar — justamente por não dar a lição moral que esperamos — a obra em si cumpre seu propósito com maestria. Ela incomoda, ela provoca, ela faz pensar. E, para mim, isso é mais
importante do que entregar um final reconfortante.
Por isso, mesmo achando que os personagens não merecem um final feliz, ainda considero que “Love and Fortune” seja uma obra poderosa. Incômoda, sim. Mas necessária. Porque o verdadeiro papel da arte não é sempre agradar — às vezes, é apenas mostrar o que preferimos não ver. E como diz o próprio dorama: se a história for boa, não importa o final ruim.

*Tani Lobato é discente do curso de Licenciatura em História da UFPA.


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