Crítica de Até A Última Gota

Por Lyandra Farias /

O que fazer quando tudo está prestes a desmoronar? Muito além da pressão e falta de empatia da sociedade, o longa-metragem original Netflix “Straw”, traduzido para o português como “Até A Última Gota”, é dirigido por Tyler Perry e acompanha a jornada de Janiyah, uma mãe solo que, em meio ao pior dia de sua vida, acaba se tornando nacionalmente conhecida através de um assalto que ela não queria cometer. 

As primeiras cenas do longa-metragem mostram Janiyah cuidando de sua filha e a levando para a escola. Através de inserts vemos que sua menina necessita de remédios controlados para sobreviver. Nesse ínterim, ameaças de despejo são proferidas contra ela pela proprietária do imovel, no entanto, ao ser o seu dia de pagamento, a protagonista promete pagar suas dívidas até o intervalo de sua jornada de trabalho. Contudo, nada segue conforme o planejado, Janiyah é chamada na escola, leva uma multa no caminho e, para completar a situação, é demitida de seu emprego. Tomando decisões por impulso, no escritório de seu patrão, Janiyah presencia um assalto e, em meio a um surto, a mesma reage ficando com a arma do assaltante. Em uma atitude de desespero em descontar o cheque de seu salário, ela aponta a arma para a atendente, emitindo um alerta nacional de assalto ao banco. 

Mesmo estando em meio a gritos de desespero, Taraji P. Henson (atriz protagonista), entrega tudo de si na trama por meio de sua atuação, suas expressões faciais em conjunto com a caracterização feita pela equipe de figurino e maquiagem demonstram uma mãe cansada pelo seu cotidiano mas que, apesar de tudo, levanta todos os dias para garantir o sustento  de sua filha. Cada olheira demarcada, seu cabelo sendo preso de uma forma que denota que foi penteado de maneira rápida para não se atrasar, a maquiagem de aspecto tão natural, como se não houvesse, sempre mostrando o calor da correria de uma mãe solo. Além disso, por meio do uso da fotografia e da construção do cenário da obra, vemos a situação financeira em que Janiyah se encontra, restos de macarrão instantâneo no prato, a louça suja na pia, um aviso de despejo, entre outros. Perry constrói a fotografia do longa em uma planificação simples, por vezes com a câmera na mão. Acompanhamos a trama através de planos mais gerais e abertos e, em poucos momentos, planos médios e mais fechados, como o primeiro plano. As relações de superioridade são transmitidas através da câmera. Na cena em que Janiyah discute com seu patrão, o vemos através do ombro da protagonista, denotando não apenas a diferença de hierarquia, mas também a forma como Janiyah se sente no confronto.

Em conformidade com a fotografia, a montagem do filme segue a mesma linha, só que em um ritmo mais lento, mas que cabe ao drama da história com cortes secos permeando do início ao fim. Perry arrisca uma sequência mais rápida em cenas de maior carga emocional, como no momento em que Janiyah encontra sua filha sendo levada pelo conselho tutelar, com o uso de sobreposição e fusão de takes. Por outro lado, a trilha sonora possui uma melodia carregada de melodrama, as notas, tocadas marcantemente por um violino, exaltam a carga dramática da história. Em cenas como a citada anteriormente, ouvimos ruídos como efeitos sonoros de alucinação e perda de atenção no que está ao redor.

No entanto, apesar de todos os recursos artísticos e de um tema de extrema relevância no contexto atual, o roteiro peca em determinados momentos, especialmente nos primeiros minutos, sempre trazendo a personagem principal com justificativas sendo ditas por meio de frases repetitivas, fato que poderiam ser mostrado implicitamente através de imagens e sons. Por exemplo, nas cenas de discussão e desculpas, Janiyah sempre cita que está tomando determinada atitude pensando em sua filha. Perry poderia demonstrá-las ao invés de sempre reafirmar a mesma ideia por meio de falas.

Por fim, “Até A Última Gota” aposta em demonstrar a realidade de uma mãe solo, que vive em uma classe baixa sem apoio, nem familiar nem governamental, sendo posta psicologicamente ao extremo, tomando decisões julgadas, eticamente e socialmente, como incorretas porém, apenas no momento em que é vista nacionalmente, sua fala é ouvida, mesmo reafirmando-a varias e varias vezes, apenas esse ato de desespero a faz ser realmente vista ao olhos da sociedade. “Straw” é um filme sobre amor, mas também sobre dor, é sobre o fato de vermos mas não enxergarmos com clareza o que está sendo dito e o que está sendo feito bem a nossa frente, é sobre a empatia que deveríamos ter com o próximo de, ao menos, oferecer apoio em um momento delicado.


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