
Por Lucas Ramos /
Você provavelmente já ouviu a famosa campanha publicitária: “Agro é Tech, agro é pop, agro é tudo”, promovida desde 2016 pela Rede Globo. A campanha tem como intuito destacar a importância do agronegócio para a sociedade brasileira moderna. Mas será mesmo que o agro é realmente indispensável? Este é o questionamento que O fundo do ar é cinza provoca.
Dirigido por Carolina Magalhães, como trabalho de conclusão de curso para a Universidade Federal do Rio de Janeiro, o filme explora os impactos do agronegócio no Brasil, revelando suas raízes em um sistema que frequentemente prioriza lucros em detrimentos de vidas, florestas e culturas locais, desconstruindo, assim, a ideia do agro como “riqueza do Brasil”.
O documentário utiliza, em grande parte, filmagens de arquivos para a construção de sua narrativa. Com exceção de algumas cenas que possuem diálogos, a história é guiada pela relação entre imagens de planos distintos. O filme começa com filmagens de registros históricos do Brasil que mostram o processo cronológico da industrialização que culminou no modelo atual do agronegócio. Um elemento interessante desta sequência é o uso de uma trilha sonora que remete ao horror, reforçando a ideia de ameaça que as máquinas agrícolas trazem consigo.
O principal destaque do filme é seu uso da montagem que, por meio de uma organização cuidadosa das imagens, consegue expressar de forma clara e impactante as ideias centrais, sem precisar recorrer ao uso de voz-over, comum em documentários mais tradicionais. Adotando uma perspectiva eisensteiniana, em vez de simplesmente ilustrar a narrativa, a montagem desafia o espectador a perceber as relações entre as imagens e a conectar os pontos que, à primeira vista, podem parecer isolados. Um exemplo disso são as cenas de políticos participando de comícios sobre agronegócio, que em seguida é contrastada com imagens capturadas pelo Google Maps que expõem o desmatamento à medida que o agronegócio cresce. É importante também ressaltar o trabalho da trilha sonora, que se utiliza da música industrial para criar a sensação de um perigo iminente.
Para finalizar, a utilização de imagens de propaganda do agronegócio para evidenciar os próprios problemas que esse meio causa é no mínimo interessante. Ao se apropriar dessas imagens, o filme cria uma ironia visual poderosa, transformando o que antes possuía um caráter de “prosperidade” e “progresso” em símbolos de destruição. Isso nos faz refletir sobre como a representação midiática do agronegócio é cuidadosamente construída para transmitir a ideia de que nossa única alternativa viável seja o agro.
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