
Por Mateus Felipe de Jesus Jordão Palmeira /
A ordinariedade e a improbabilidade dos encontros são realidades de um dia de carnaval. O carnaval já faz parte de um imaginário e uma agenda popular que mesmo quem não é “chegado” ao feriado, o vivencia. Quem Sabe Nesse Carnaval explora essa esfera de acontecimentos através da ótica de um jovem, Sami, que é pouco apegado ao evento, mas que indiretamente, mesmo de maneira ínfima, tem sua vida transformada durante o período. A história se desdobra em torno da conexão improvável de Sami e Flora, uma viajante chilena que buscando aproveitar a folia, se hospeda na casa do jovem aficionado por jogos e streamer durante o feriado. O curta adentra sob esse contato entre duas pessoas com comportamentos e personalidades distintas.
O paralelo em contraponto do estilo de vida de cada um desses sujeitos é construído em cena pelos pequenos arranjos do enredo. A conexão com esse “corpo estranho e intruso”, que modificará o cotidiano do sujeito, é exposta narrativamente por nuances imagéticas na obra, nos conduzindo através do vínculo que se constrói entre esses dois indivíduos. Em um país que respira Carnaval e esse amor é quase unânime, logo, mesmo o indiferente não deixa de ser afetado pelo evento. Estes elementos são perceptíveis desde o primeiro ato, as diferenças entre Sami e Flora, entre idade, costumes e mesmo na língua propõem entraves que subliminarmente aparecem para nós ao longo do curta, mas que vão por água abaixo à medida que a história prossegue. Entendemos um pouco daqueles dois personagens e suas peculiaridades.
Apesar de toda a história se passar espacialmente dentro dos limites da casa de Sami, o som consegue desenvolver através de elementos diegéticos, a passagem dos blocos e reforçar a ideia, em virtude de na ausência planos e quadros dos mesmos. As escolhas estéticas são bem dosadas fazendo sentido para o intento da obra, por utilizar somente uma locação. A repetição de quadros, além de sugerir a passagem do tempo em diferentes momentos de tela, cria paralelos à medida que a história avança. Um dos que mais me chamou atenção foi um plano de ponto de vista, que simula uma webcam que Sami utiliza para streamar para os seus seguidores, um quadro que se repete em diferentes momentos, mas se encaminhando para o final, vemos ele uma última vez, com a participação de Flora, no quadro com Flora em foco no plano com Sami ao fundo desfocado. É possível entender a importância desta ação, considerando a intimidade desse momento para o jovem streamer ao longo da história, logo deparar-se com a participação de Flora conduzindo a sua live, é um selo da afirmação do laço que acompanhamos.
Durante os três dias que antecedem a Quarta-feira de Cinzas, as crônicas de carnaval de acontecimentos a eventos, fazem parte da história particular de cada brasileiro. Os amores de carnaval eternos ou efêmeros são pontos comuns entre vários outros. Quem Sabe Nesse Carnaval é um retrato de um dos pontos que, para mim, compreende um dos maiores méritos do cinema e da linguagem: transformar o ordinário em extraordinário. O encerramento do filme elucida essa ideia de maneira didática. Aquela história de carnaval, que em minutos de tela fora construída gradualmente, chega no encerramento de maneira inesperada: sem solução, quando pensamos que iremos caminhar pela resolução geral dessas pontas soltas, a diegese sonora de ambientação é interrompida, temos o silêncio e a carta de despedida de Flora à Sami, mas afinal é Carnaval, como diria Chico Buarque em um Sonho de Carnaval: “Quarta-feira sempre desce o pano”.
Deixe um comentário