Por Daniel Magno /

É como um daqueles devaneios inesperados meio a um dia quieto, lavando roupas ou fazendo café mais uma vez em mais outra folga parecida com as anteriores, e sem saltar muito à atenção, surge um objeto, uma cor, uma voz, uma textura que de algum modo remete a uma memória deixada no canto da sala como um sistema de som velho ou a foto de um parente perdido, são nesses devaneios em que avaliam-se os sentimentos sobre a própria história e, quase inevitavelmente, sobre os arrependimentos passados em que nostalgia se agarra sem querer à eterna incógnita do “e se eu tivesse feito algo diferente, onde estaria agora?” e projeta outras vidas que poderiam estar sendo vividas.
Há uma hierarquia de protagonismo clara entre as personagens titulares. Laura, com sua divagação de que “a gente esquece das coisas e só lembra delas quando se depara novamente”, despropositadamente põe em movimento esse confrontamento interno de Noêmia com sua própria vida, enquanto seus próprios devaneios oníricos não passam de uma breve nostalgia de suas memórias de infância em uma casa de campo. Longe de ser uma incompletude da obra, este caráter auxiliar da personagem secundária conota a influência interpessoal que faz parte significativa do tipo de convívio que as duas têm. As pequenas ideias, que não se demoram em uma pessoa, podem ressoar por um bom tempo na outra insuflada por perspectivas diferentes de se lidar com o mundo e com a vida. As divagações oníricas de Noêmia, a protagonista, magnificamente guiam o desenvolvimento da narrativa com sua forte carga estética disco representativa das antigas aspirações egóicas da personagem que queria ser musicista quando mais nova.
O último plano do curta mostra as duas cozinhando e ouvindo música com uma mis-en-scène que se assemelha a uma dupla de DJs operando suas mesas em sincronia. Este momento terno de carinho e compreensão não põe um ponto final nas preocupações e ânsias de nenhuma delas, Laura provavelmente ainda sente que desperdiçou a infância desejando crescer logo e Noêmia ainda se sente insegura sobre suas escolhas de carreira. As reticências que findam o filme demonstra que simplesmente ter companhia para compartilhar os dias, as divagações e os devaneios é um alento essencial para lidar com a complexidade de nossos arrependimentos e desejos.
‘Noêmia e Laura’ é etéreo como um sonho de cinema setentista granulado e colorido, acentuando a fantasia na vida através de suas cores vibrantes e globos de espelho esquecidos pela casa, uma ode aos devaneios nostálgicos e as pessoas que sem querer nos resgatam deles, às lembranças que gostaríamos de ter e habitam a imaginação de uma rotina mundana tediosa.
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