Crítica do Filme Erva que Cura, Erva que Benze

Por Vinícius Caeté Ramos /

O curta documental produzido por discentes da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia, com a direção de Caroline França, traz o aspecto dos saberes tradicionais para a tela, como o próprio nome da obra deixa explícito. O curta documental aborda os saberes ligados às ervas medicinais e sagradas que dentro da cultura popular, principalmente no interior do país, têm uma importante papel no que podemos chamar de medicina tradicional brasileira. Um aspecto muito importante do filme é o protagonismo de pessoas negras, principalmente mulheres. 

Analisando o filme a partir de um critério técnico, acredito que cumpra muito bem a sua proposta. A obra inicia buscando mostrar aspectos ligados à natureza, como as plantas e as águas, mas posteriormente trazendo o ambiente bucólico com elementos do dia a dia de uma vida simples no interior, tudo isso com uma reza cantada como fundo sonoro, que combina muito bem com as imagens, o que conduz o espectador a uma sensação de leveza e calmaria. A ideia de direção mistura planos de entrevista com planos mais contemplativos do espaço ou das próprias rezas, optando por uma construção sonora mais crua, o que traz a produção uma mistura de trilha e som direto. 

Apesar da direção optar por um estilo mais canônico dentro da estética documental, que é o documentário com entrevistas, “Erva que cura, Erva que benze” conta com uma montagem que leva a obra para um local mais de um filme poético e intimista, como se o filme fosse feito da mesma maneira que se constrói uma música, progredindo cenas como as notas musicais se perpassam em uma progressão harmônica. Pessoalmente fazendo com que além de ver o filme, pudesse senti-lo, da mesma forma que uma canção se sente além de uma mera escuta. 

Entretanto, o espirito da obra está em colocar as vozes e corpos negros como elementos de importância e como figuras de respeito, principalmente essas figuras sendo mulheres. Vozes que estiveram por muito tempo longe das telas, saberes que se passam de boca a boca, de geração em geração e agora estão ganhando as projeções, percorrendo lugares, adentrando os festivais e tocando pessoas que apesar das diferenças, conseguem sentir o peso e a beleza dessa cultura tão rica.  E como diria o cantor Chico César, quando o preto fala o branco cala ou deixa a sala com veludo nos tamancos, e me dando a oportunidade de mais uma vez parafraseá-lo, esses saberes vem da África, assim como meus santos. 

Outro elemento que me faz pensar na obra é o choque geracional, de como as novas gerações estão se afastando de suas raízes e como a tecnologia e globalização têm atuado para isso, visto até na fala de uma das entrevistadas que diz que está cada vez mais difícil encontrar pessoas que tenham o domínio dos saberes ancestrais, o que traz o pensamento de que estamos cada vez menos vivendo em comunidade. Vale questionar como o modo de vida capitalista está cada vez mais transformando a vida em um conjunto de individualidades voltadas a conquistas pessoais e deixando de lado o corpo coletivo, mesmo muitas vezes não partindo de uma escolha individual, mas de um direcionamento sistemático da sociedade que estamos inseridos. Voltamos para mais uma fala presente no filme para ilustrar esse pensamento, que diz que a reza não pode ser cobrada, porque o que vem de Deus não pode ter preço, e mais uma vez me questiono, dentro desse sistema existe ainda espaço para o que não tem preço? E como isso afeta na percepção dessas novas gerações tão inseridas nessa lógica, apesar de que, a luta para manter esses saberes vivos sempre foi árdua, e consequentemente continuará sendo. 

Por fim, não gostaria de dizer se a obra é boa ou ruim, pois acredito que o cinema se descreve em variáveis muito mais complexas que essa simples dualidade, gostaria de dizer que a obra é necessária, precisamos registrar os nossos saberes, o rosto das nossas pessoas, a alegria e a fé que existe dentro de todos nós, trabalhadores brasileiros, e de como nos podemos contar nossas próprias histórias, de uma maneira única, bonita e nossa.


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