Por Tainá Lobato Albuquerque /
NOPE (Não! Não Olhe!) é o terceiro filme dirigido por Jordan Peele. Nele, acompanhamos os irmãos OJ e Emerald Haywood, descendentes de Alistair E. Haywood, o jóquei negro que cavalgou o cavalo fotografado por Muybridge, responsável pelo primeiro registro de fotografias em movimento. Eles herdaram um rancho na Califórnia de seu pai e, devido a problemas financeiros, são obrigados a vender seus cavalos. Com o passar dos dias, percebem situações cada vez mais estranhas acontecendo na região e decidem investigar, se deparando com uma força sobrenatural.
Assistir a esse filme mais de uma vez é uma experiência interessante. Como nos outros trabalhos do diretor (“Corra” e “Nós”), NOPE vai além do horror e suspense, é um filme carregado de significados e simbolismos, que trazem reflexões e críticas sociais que nem sempre conseguimos captar na primeira vez. E é exatamente isso que torna esse filme e os demais da filmografia do diretor tão interessantes de se analisar e discutir. Revisitar as histórias em diferentes momentos traz novas descobertas, seja pelos significados ocultos ou pelas escolhas artísticas e técnicas que enriquecem totalmente a experiência. NOPE não se sustenta apenas em seus simbolismos, é claro. O filme também se destaca pelo ritmo bem construído e por uma estrutura narrativa que te prende do início ao fim. Sem esses acertos, o filme não despertaria tanto o desejo de revisitá-lo. Peele equilibra mistério, suspense e crítica social com uma direção precisa, fazendo de NOPE uma obra intrigante e empolgante, que merece ser vista mais de uma vez.
O diretor consegue destrinchar, assim como em seus outros trabalhos, muitos temas válidos de críticas sociais como a exploração animal, de uma forma muito sutil e, ao mesmo tempo, muito potente. Jordan Peele constrói um paralelo entre a história de OJ e Emerald enfrentando a entidade alienígena, apellidada de “Jaqueta Jeans”, e o trauma de Jupe, dono do parque de diversões, com o macaco Gordy. No início, essas duas tramas podem parecer desconectadas, mas, à medida que o filme avança, fica claro que ambas exploram a relação entre humanos e animais sob uma ótica de exploração e controle.
Gordy era um macaco treinado para atuar em um programa de TV, mas nos é revelado aos poucos um incidente fatal em que ele surtou e atacou violentamente os atores da série. Esse evento representa a imprevisibilidade da natureza animal quando submetida ao controle humano. “Animais treinados podem ser imprevisíveis”. Da mesma forma, OJ e Emerald tentam compreender e lidar com “Jaqueta Jeans”, uma criatura que desafia suas expectativas e que não pode ser domesticada ou controlada como um simples animal de espetáculo.
O paralelo evidencia o tema da exploração da vida selvagem para entretenimento e a consequência de tentar domar o que é essencialmente selvagem e indomável. Enquanto Jupe acredita que tem o controle em suas mãos, preso no passado por uma falsa ilusão de que é “O escolhido” por Gordy não o ter machucado no dia do incidente, OJ entende que há regras a serem respeitadas ao lidar com criaturas que têm instintos próprios.
A temática não pode ser considerada inovadora já que anteriormente, em 1993, Steven Spielberg dirigiu Jurassic Park, que também explora a ideia de que a tentativa de controlar a natureza para fins de entretenimento pode levar a consequências catastróficas. Mas Jordan Peele amplia essa crítica ao abordar não apenas a exploração da vida selvagem, mas também o papel da mídia audiovisual na captura e comercialização desses momentos. A obsessão de OJ e Emerald em tentar registrar “Jaqueta Jeans” reflete uma realidade da sociedade atualmente, em que tudo precisa ser documentado e transformado em conteúdo com o objetivo de gerar lucro e relevância. Isso é representado pelo cinegrafista Antlers Holst, que, mesmo já tendo capturado o material, fica tomado pela ideia da “tomada perfeita”, a ponto de colocar sua própria vida em risco para obtê-la.
Outro ponto interessante é como a NOPE faz uma crítica à indústria do entretenimento. Peele logo no início toca na forma como Hollywood historicamente apagou ou explorou determinados grupos para lucrar. A própria família Haywood simboliza isso: descendentes de um jóquei negro que foi essencial para um dos primeiros experimentos do cinema, mas cuja história foi totalmente esquecida. OJ e Emerald tentam recuperar esse legado, mas enfrentam desafios financeiros e precisam lutar para serem reconhecidos no meio cinematográfico.
Jupe também é um reflexo dessa indústria, um ex-astro mirim que teve seu trauma transformado em espetáculo. Ele capitaliza em cima do incidente com Gordy, sem realmente processar o horror do que viveu. Essa busca incessante por entretenimento e sensação se reflete na forma como ele tenta domesticar “Jaqueta Jeans”, acreditando que pode usá-lo como uma atração. O resultado, claro, sendo completamente desastroso.
Para além das críticas sociais, temos a experiência visual e sonora do filme, que ironicamente é como um épico “espetáculo”. Peele utiliza enquadramentos grandiosos, cenários desérticos que remetem a westerns e efeitos visuais impressionantes. A fotografia e a direção de arte ajudam a criar um senso de mistério e vastidão, tornando a presença do alienígena ainda mais ameaçadora.
A trilha sonora e o design de som de NOPE desempenham um papel crucial na construção da atmosfera do filme. A utilização do silêncio em certos momentos contribui para o suspense e a sensação de isolamento. O som do próprio “Jaqueta Jeans”, um misto de ruídos graves e agudos e sons de grito, é perturbador e reforça a ideia de uma presença alienígena incompreensível e ameaçadora. A trilha composta por Michael Abels equilibra momentos de grandiosidade e tensão, intensificando a experiência emocional do espectador e contribuindo para a sensação de suspense que permeia o filme.
A atuação do elenco principal também merece menção. Daniel Kaluuya entrega uma interpretação contida e introspectiva como OJ, transmitindo muito bem os sentimentos do personagem apenas com olhares e o silêncio. Keke Palmer, por outro lado, traz o oposto, uma personagem carregada de carisma e energia. A dinâmica contrastante entre os dois é essencial para o filme, criando um apego aos personagens e equilibrando os momentos de tensão e leveza por sua relação de irmandade muito forte. Steven Yeun também se destaca como Jupe, capturando a dualidade de um homem preso ao passado e cego pela ilusão do controle.
NOPE é uma obra que mescla gêneros, camadas de significado e um olhar crítico sobre a indústria e a sociedade. Talvez essa imensa quantidade de símbolos e signos que escondem uma crítica por trás não agrade algumas pessoas que não desejam se aprofundar na mensagem, mas para mim é algo que apenas enriquece o filme e mostra como o diretor é atento e cuidadoso aos detalhes. Jordan Peele prova ser um cineasta com um olhar único, entregando um filme que vale a pena ser revisto e analisado com diferentes perspectivas. Mais uma vez, ele consegue entregar uma experiência cinematográfica que, ao mesmo tempo que nos deixa tensos, nos faz refletir sobre o mundo ao nosso redor.
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