Crítica do filme Apoptosis

Por Kian Zwicker /

Apoptosis é um curta-metragem de animação que, com apenas 15 minutos, nos leva a uma jornada de luto, solidão e o profundo impacto psicológico que a perda de um ente querido pode causar. Dirigido e animado por Brenda N. L. Bastos, graduada em Cinema e Audiovisual pela Universidade Federal do Pará (UFPA), o filme foi produzido de forma independente e se destaca pela sensibilidade com que aborda temas universais em um cenário apocalíptico futurista.

Baseado no conto A Woman Alone with Her Soul de Thomas Bailey Aldrich, o filme se passa no ano de 2092, em um futuro devastado, onde a população mundial se extingue a cada dia. Deni e Alain, o casal central, são as últimas sobreviventes a viver neste mundo desolado. No entanto, a doença e a morte de Alain forçam Deni a enfrentar uma solidão absoluta. A narrativa é centrada no processo de luto de Deni, uma jornada emocional intensa, onde ela precisa lidar com a perda, a dor e, finalmente, com a aceitação do fim de sua própria vida. A trama culmina em um final surpreendente, que nos leva a refletir sobre o ciclo da vida e as possibilidades de recomeço, sugerindo uma reinvenção do planeta e da humanidade.

O filme é, em sua essência, uma representação visceral da perda. A diretora, através de uma animação cuidadosamente elaborada, consegue transmitir todo o desespero, o luto e a esperança que permeiam a história de Deni. Apesar de ser uma animação futurista e distópica, Apoptosis aborda temas humanos e atuais, oferecendo uma reflexão sobre saúde mental, luto e a necessidade de encontrar um sentido mesmo em meio à dor e ao vazio.

A grande questão que Apoptosis levanta é a exploração da saúde mental em momentos de desespero. A história de Deni não é apenas uma ficção distópica; ela ressoa com qualquer pessoa que já tenha enfrentado ou se deparado com a perda de alguém querido. A solidão extrema e a sensação de estar completamente isolada do mundo são sentimentos universais que qualquer espectador pode entender, seja por meio de experiências pessoais ou pela empatia gerada pelas representações cinematográficas. Como a perda de um ente querido pode impactar a saúde mental de uma pessoa, levando ao desespero, à desistência da vida e até ao suicídio, como acontece no caso de Deni?

Ao mesmo tempo, Apoptosis também sugere uma possibilidade de renascimento, uma ideia de recomeço mesmo após o fim. O conceito de “apoptose” (morte celular programada) vai além do seu significado biológico, aludindo à necessidade de deixar ir e dar espaço para algo novo, algo que talvez Deni não tenha conseguido realizar em vida, mas que o futuro e o recomeço do planeta oferecem.

Além disso, a representatividade do casal lésbico é uma camada adicional que, embora sutil e não central para a trama, se insere de maneira natural na história. A decisão de não transformar a relação entre Deni e Alain em um ponto de conflito é uma escolha acertada, que demonstra uma abordagem madura sobre o tema, destacando-se pela sinceridade e honestidade. Essa escolha reflete a importância da representatividade sem cair em estereótipos ou em um caráter didático.

A qualidade técnica de Apoptosis é um dos seus maiores trunfos. A cineasta, que criou o filme sozinha, mostrou um domínio impressionante da animação quadro a quadro. A execução é impecável, e o fato de ter feito tudo isso sem uma equipe técnica completa e com recursos limitados torna a conquista ainda mais admirável. Cada quadro foi meticulosamente projetado, com detalhes visuais que não apenas contam a história de forma precisa, mas também transmitem emoções de maneira sensorial e impactante. Em um filme que não tem diálogos, a expressividade da animação e a qualidade da direção de arte são essenciais para criar uma conexão com o público.

O projeto mantém uma coerência formal exemplar. A escolha das cores e a composição dos quadros são fundamentais para expressar a intensidade emocional que o filme exige. Nos momentos de luto e solidão, a paleta de cores escuras e sombrias, combinada com planos mais fechados e minimalistas, faz com que o espectador sinta a tristeza da personagem, como se estivesse imerso na mesma solidão e vazio que Deni. A trilha sonora, composta de maneira sensível, complementa ainda mais a atmosfera do filme. Sem falas, a música se torna a principal forma de comunicação emocional entre o filme e o espectador, quase como um personagem adicional na narrativa.

A estrutura narrativa segue uma linha clara e linear, sem desvios ou incoerências, permitindo que o público se envolva com a jornada de Deni de forma direta e sem distrações. Não há rupturas ou escolhas estilísticas que quebrem a fluidez da história. A estética minimalista é mantida durante toda a projeção, ajudando a criar um ambiente de imersão, onde o filme nunca perde seu foco ou sua mensagem principal. Além disso, a animação e a narrativa se complementam perfeitamente, com cada cena pensada para expressar uma ideia ou emoção, sem excessos ou superficialidades.

Sendo assim, o filme é, de certa forma, simples em sua narrativa, mas não na sua execução. Apoptosis não busca ser um filme complicado ou de difícil compreensão; sua mensagem é clara e acessível. No entanto, a profundidade emocional que ele explora é o que realmente dá significado à obra. Embora a trama aborde temas universais como luto e perda, a maneira como esses assuntos são tratados é única, com uma execução técnica refinada que exige que o espectador mergulhe na narrativa para captar suas sutilezas.

A experiência estética de Apoptosis é um dos seus maiores atrativos. A animação, mesmo sendo simples, é visualmente impressionante. O uso da música como um elemento narrativo também se destaca, ajudando a transmitir as emoções de Deni sem depender de diálogos ou palavras. A trilha sonora e a estética minimalista colaboram para criar uma atmosfera imersiva que intensifica a experiência emocional. A cena mais marcante do filme é quando Deni, ao ver sua amada Alain doente, a abraça sem hesitar, mesmo ciente de que isso pode custar sua própria vida. Esse momento encapsula o amor incondicional e a dor da perda, sendo um ponto emocionalmente carregado e crucial para entender a jornada da protagonista.

Apoptosis se destaca como uma contribuição valiosa para o cinema universitário, especialmente por sua proposta inovadora e pela maneira independente com que foi produzido. Criar uma animação com uma temática tão intensa e relevante dentro de um ambiente acadêmico é algo digno de nota, e essa obra traz uma nova perspectiva visual e narrativa para o cinema universitário. A forma como aborda temas universais de maneira pessoal e única enriquece o repertório cinematográfico da universidade.

Apoptosis se alinha com as tendências do cinema independente e reflexivo. Apesar de sua produção modesta, o filme possui uma profundidade emocional e intelectual impressionante, algo que é bastante comum no cinema acadêmico, que busca explorar temas universais e profundos de uma maneira única e pessoal. O público pode esperar uma obra que é ao mesmo tempo envolvente e emocionalmente impactante, levando a reflexões sobre solidão, perda e saúde mental. A grande surpresa do filme, no entanto, é a qualidade técnica de sua execução, especialmente considerando que foi feito de forma independente e com recursos limitados. É uma experiência visual e sensorial que complementa sua profundidade emocional.


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