
Por Bárbara Palheta /
Mariana Corrêa, diretora do curta-metragem “Quando Foi Que Acordei?”, é graduada em Cinema e Audiovisual na Universidade Federal de Pelotas. Foi produtora do curta ”Combustão Espontânea”, selecionado para o 51° Festival de Gramado e é fundadora da produtora ”Filmes Úmidos” e do Coletivo Transviada de Pelotas. “Quando Foi Que Acordei?” conta de uma forma sensível a história de Clarice, uma jovem que trabalha como editora de imagem em uma empresa que registra sonhos. Durante seu trabalho ela conhece Maria, uma fotógrafa que está temporariamente na cidade, e se surpreende ao perceber que ambas tiveram o mesmo sonho naquela noite. As duas então aproveitam o pouco tempo juntas enquanto se envolvem em dois mundos, entre os sonhos compartilhados e a realidade.
Algumas vezes em redes sociais vejo um post antigo sendo compartilhado, um panfleto colado em uma rua. O panfleto contém instruções para saber se você está tendo um sonho ou não, ele pede que você olhe o relógio e depois olhe pro lugar em que você está e que depois olhe de novo seu relógio. Se o horário estiver completamente diferente significa que você está dentro de um sonho. O panfleto, segundo algumas pesquisas rápidas, foi colocado em algumas paredes na cidade de Sheffield, não se sabendo exatamente seu autor ou motivo de estar lá. Essa foi uma das primeiras coisas que me veio à mente assistindo “Quando foi que acordei?”. A palavra sonho tem diversos significados. No dicionário, uma de suas definições é “conjunto de imagens, de pensamentos ou de fantasias que se apresentam à mente durante o sono”. Esse conjunto de imagens e fantasia é o dispositivo que estrutura e nos guia no curta-metragem.
O curta se apresenta de forma excepcional logo no seu primeiro minuto, você não sabe exatamente o que está assistindo, a fotografia tem um efeito “cremoso”, tudo tem um ritmo diferente do esperado. Literalmente a primeira sequência parece ter um leve slow motion, existe um vento que não se sabe exatamente de onde está vindo, mas que balança os cabelos da personagem e a destaca imediatamente como esse ser etéreo de uma cena de romance. A atmosfera parece a de um sonho, mas não somente um sonho no sentido romântico, um sonho, também, literal que se tem quando dorme, daqueles que não tem começo nem um fim exato, que tem pessoas que você não lembra de conhecer e locais que você não lembra de ter estado. Com toda essa atmosfera criada apenas nesse único minuto de abertura, o filme te leva à rotina de Maria, cuja função principal no trabalho é assistir o sonho que outras pessoas tiveram enquanto dormiam. Apesar da rotina não deixar a personagem empolgada, ela faz alguma questão de registrá-la mesmo assim, registrá-la em seus aparatos tecnológicos que lembram a série Black mirror, como no episódio San Junípero da terceira temporada e também Crocodilo, episódio da quarta temporada da série.
Na mídia mainstream as representações de romances sáficos, entre duas pessoas com gênero alinhado ao feminino, são escassos ou fetichistas, principalmente quando se trata de Brasil. Por esse motivo, o romance entre Maria e Clarice parece tão surpreendente, não por ser totalmente inovador, mas por nos trazer um desenvolvimento totalmente natural, sem a aura “romance proibido” ou o famoso “mate seus gays” (fenômeno na mídia onde casais LGBTQIA+, principalmente sáficos, têm um de seus integrantes morto no final da trama). Maria e Clarice têm um romance que começa como algo casual e nos leva a representações sensíveis e ternas, principalmente em suas cenas de sexo.
Eu diria que “Quando foi que acordei?” nos transporta para dentro de um sonho, nos diversos sentidos da palavra, tudo nele tem uma atmosfera que te faz suspender a crença na realidade e na linearidade das coisas. O filme te leva em uma jornada em que não importa se a neve cai no início de uma noite quente ou se é possível montar um castelo de areia no meio da sala de estar, o que se faz importante é a sensação deixada por esses eventos.
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