Por Beatriz Negrão /

Agarra (2023), de Clara Estolano, é um fotofilme, tipo de filme que experimenta misturando a linguagem da fotografia com a linguagem cinematográfica. Uma das características que intensifica essa expressão artística é o uso de som sobreposto à fotografia. Em Agarra, Estolano inicia com um forró, que, atrelado às imagens de decoração de festa junina, nos leva imediatamente a uma noite quente de Junho. As risadas ao fundo e o vozerio cujas palavras são irreconhecíveis, bem como as espigas de milho e bandeirinhas evocam a sensação de universalidade daquela festa. É apenas uma dentre milhares de noites de São João.
Um casal de jovens flerta e joga conversa fora, até que a moça diz que esses tempos “não consegue evitar comer carne”. Essa fala, bem como a aparentemente inocente pergunta do rapaz sobre a lua, agem como presságio para a direção que a narrativa vai tomar, na metade do filme: as personagens vão para a floresta, no que parece uma escapada sexual, e a moça se transforma em uma espécie de fera. O filme evidencia seu humor sagaz no diálogo carregado de duplo sentido, no qual perder a virgindade e se transformar em monstro são situações análogas. Aqui, o termo “Agarra” é uma brincadeira sobre as unhas de uma fera e os amassos de um casal.
Ainda na primeira parte do filme, as fotos utilizadas são, principalmente, close-ups em detalhes da festa ou então nas expressões da menina, apresentando pouca variação visual. São fotos em sequência da mesma personagem em posições ligeiramente diferentes, só o suficiente para mostrar que há movimento, mas não ousadas o bastante para gerar muito interesse. Ao mesmo tempo, essa escolha estética mais modesta pode ser justamente um recurso da direção, que visa proporcionar uma atmosfera de namoro adolescente, no qual há um certo desajeitamento e prolongamento de momentos desconfortáveis. Característica essa que é reforçada pelo posicionamento da câmera como ponto de vista subjetivo do rapaz.
Na fotografia tradicional, o observador escolhe por quanto tempo quer permanecer visualizando a imagem, bem como em que detalhes quer se atentar. Em fotofilmes, esse poder pertence ao diretor, que dita o ritmo ao escolher quanto tempo cada foto permanece em tela. Estolano acelera esse tempo durante a cena da transformação na floresta, ao pular de foto em foto com certa velocidade, e emprega o som em favor da montagem ao usar sons de unhas arranhando a pele, num frenesi coceirento da moça segundos antes de se transformar. Aqui, a foto muda quase que simultaneamente com cada arranhada da unha, aliada às respirações ofegantes da menina.
Outro recurso bem aplicado da fotografia são os desfoques de movimento, posicionados intencionalmente no processo de metamorfose da personagem, gerando imagens onde seu rosto assume uma aparência fantasmagórica, quase desfigurada pelo movimento. Ao final da transformação, recursos tradicionais do cinema de horror são utilizados de forma inteligente: a menina (agora animal) não precisa ser claramente mostrada para ser temida, na verdade, é o exato oposto. Ela está mais longe da câmera e é pouco visível, banhada pela escuridão da noite e iluminada apenas por um foco de luz; e é justamente essa indefinição, causada pelo desfoque e pela escuridão, que estimula interesse na criatura: ela ainda é a namorada, ou deu lugar ao monstro?
As melhores qualidades de Agarra estão presentes no final, como a velocidade gerada pelos desfoques de movimento e as risadas, que se encontram no ápice. O rapaz sobe nas costas da moça e, em êxtase, os namorados correm pela floresta.
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