Por Lucas Ney de Parijós /

O filme Loja de Bonecos retrata um personagem que vai até a loja do diabo encomendar uma carranca para espantar seu vizinho “insuportável”. Lá, o diabo se lamenta sobre não ter mais a criatividade de antes.
A comédia tem uma longa tradição de usar linguagens regionais para gerar identificação ou contraste, mas, em contextos como esse, ela também corre o risco de passar uma mensagem involuntária de que o modo de falar de uma comunidade é “engraçado” por si só. Para quem pertence àquela cultura, pode ser uma representação afetuosa, mas, para quem está de fora, pode soar como uma forma de exotificação ou desrespeito. É aquela linha tênue entre rir com uma cultura e rir da cultura.
Além disso, usar o dialeto como o principal veículo cômico pode limitar a complexidade da narrativa. Se o humor se apóia excessivamente na maneira como os personagens falam, ele perde a chance de construir camadas mais profundas, seja no texto ou na própria situação cômica. Isso não quer dizer que o dialeto não possa ser usado, mas que ele deve ser integrado de uma forma que vá além do estereótipo ou do recurso fácil.
No caso específico de Loja de Bonecos, o filme também se concentra em piadas locais, como a referência ao “fechar a Almirante”. Isso, combinado ao uso do dialeto, cria uma barreira de entrada para quem não é de Belém. Então, temos uma combinação que não só limita o alcance da obra, mas também abre espaço para debates sobre como a cultura local é apresentada: como um reflexo autêntico ou como algo que reforça clichês para gerar humor.
O diálogo e o build-up são interessantes, apesar de depois ficarem um tanto repetitivos, com uma cadência estranha. Porém, a punch-line é bem entregue no final, com o protagonista citando o nome de “Deus”, causando a explosão do diabo.
A atuação é extremamente teatral. Eu, particularmente, gostei desse estilo para os bonecos, porém acho que poderia ter sido feito algum efeito na voz do protagonista para deixá-la mais acreditável, tal como a do diabo.
Como um filme experimental, senti que faltou ousadia na exploração do formato. A história tem potencial, mas visualmente e narrativamente o filme não se arrisca. Não há muitos experimentos na escolha de luz, enquadramentos ou estrutura, o que é uma oportunidade perdida, considerando que também é um projeto de cenografia. A expectativa era ver algo mais criativo no uso do espaço, algo que realmente aproveitasse o cenário como parte da narrativa.
Quero deixar claro que estou analisando o filme como uma obra cinematográfica, sem levar em conta possíveis usos como peça teatral ou instalação artística. Dentro dessa perspectiva, é importante que um filme experimental explore mais as possibilidades do meio, seja no visual, na montagem ou na forma de contar a história. Aqui, a abordagem é mais convencional do que se espera para um trabalho que se propõe experimental.
Mesmo assim, o filme funciona como comédia. É divertido, tem bons momentos e entrega o que promete nesse sentido. Mas considerando o conceito e a proposta de ser algo experimental, dava para ir muito além e explorar ideias mais inovadoras.
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