Crítica do filme Churrasco Normal Para Pessoas Normais (Com Carnes Ao Ponto)

Por Felipe Adriel Lima /

De primeira, o título do filme me chamou a atenção, um conjunto de palavras simples, mas mirabolantes: O que seria a normalidade? E por que frisar o ponto da carne? Este é o primeiro curta da produtora “Filmes do Bueiro”, um coletivo de cinema independente formado por alunos do curso de audiovisual do SENAC de Santo Amaro (São Paulo). O projeto é encabeçado (dirigido, escrito e editado) por Matheus Meira que se descreve como fã número 1 do bizarro e do caótico, e tais palavras são exatamente a forma como o filme vem a responder às perguntas formuladas no início do texto.

O filme é um recorte caótico de algo que já se tornou cultural para todo o brasileiro, um churrasco no fim de semana. Pedro é nosso protagonista e guia no desenrolar do evento, ele nos declama em atos/partes qual o passo a passo para se ter um churrasco ideal. De maneira ritualística e contemplativa, ele nos apresenta sua motivação, a estranha relação com a churrasqueira e a obsessão pelo vazio inerente que rodeia o ser humano. Junto dele estão seus convidados que de normais não possuem nada, todos parecem partilhar da mesma fascinação de Pedro por esse evento, quanto mais acompanhamos a esquizofrênica relação deles, mais nos aprofundamos no segredo por trás do ponto da carne.

Apesar de ser estranhamente dramático e cheio de suspense, o filme na verdade é uma comédia, isso fica claro ao final do primeiro ato, em que o humor é escancarado e passa a comandar o restante do filme. O tipo de humor aqui é o “Poop”, bastante popularizado entre os jovens e altamente disseminado pela internet, mais especificamente em redes sociais como Youtube e Facebook, facilmente identificáveis pela sua edição caótica e propositalmente mal feita, com a finalidade de evocar o humor pelo imperfeito e o nonsense, a meu ver uma modernização da linguagem do teatro de Monty Python.

A quebra de expectativa do filme é muito bem-vinda, o cinema experimental possui uma liberdade muito grande para se brincar com o que tem em tela, acredito que essa tenha sido a intenção de Matheus Meira na concepção desse filme, abraçar símbolos comuns no cinema experimental e fundi-los com seu humor particular e jovial, acerca dos também símbolos da cultura brasileira, em particular o churrasco. O jeito que os personagens habilmente se comportam gera um conflito com o “normais” do título, este contraste possibilita que a entrega das “piadas” seja de forma precisa. Um aceno para o domínio técnico da montagem que simula com precisão a estética que a narrativa pede ora para humor e ora para suspense, de fato como título diz a “carne” aqui está “ao ponto”.

Ainda sim deve ser pontuado que muito do que o filme tem de positivo, ele também possui de negativo. Ele constrói o humor com reviravoltas ácidas, no entanto no último ato, toda ambientação, ritmo e narrativa que foi construída é abandonada de vez, acarretando numa finalização limpa, indo de contramão em tudo que o filme propusera. É meio decepcionante ver o caminho mais fácil sendo tomado em tela, uma vez que grande parte do filme foi investida naquele universo. Tanto é abandonado que até as atuações são enfraquecidas, não que estivéssemos falando de atuações cheias de vida e técnica, mas elas eram condizentes com a proposta.

Outra coisa é a decisão pela estética analógica, algo que remete a uma ideia mais anos 2000, o que não casa com ambientação e temporalidade moderna apresentadas, mas acredito que não foram atentados na questão da arte e produção trabalharem em conjunto para que o todo fosse mais coerente. É compreensível quando se põe em jogo o caráter independente do filme e sua proposta, mas eles utilizaram um Palio Fire 2002 na gravação, talvez mais esmeros para acertar esses detalhes iriam colaborar para a diegese da obra.

Apesar de tudo existe uma precisão na compreensão e utilização de linguagem, tanto do cinema quanto de humor que por mais que o amadorismo seja extremamente característico, é recompensante ver o resultado do filme, que de forma criativa e única faz com que o curta não se torne simplesmente um vídeo poop e sim se firme como obra audiovisual. Fico ansioso para acompanhar os próximos lançamentos da “Bueiro” e os novos sabores que podem vir a se apresentar no futuro.


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