Crítica do filme Literatura em Mural

Por Mariana Correa /

No curta documental Literatura em Mural, Klewerson Lima, que assina a direção da obra, apresenta as intermediações entre artes visuais e literatura ao registrar a concepção e execução de um mural na Universidade Federal do Pará, inspirado pela obra Flor de Gume, da escritora paraense Monique Malcher. O ponto de partida do filme é a justaposição entre o relato da autora da obra literária, que revela seus sentimentos e expectativas iniciais quanto à parceria, e o relato dos artistas convidados para a execução do mural, que articulam sobre as escolhas técnicas, conceituais e estilísticas para a obra final.

Essa pluralidade de discursos oferta ao telespectador o maior trunfo do documentário: uma percepção interessante sobre possíveis processos de tradução de uma linguagem artística para outra, já destacada nos momentos iniciais do projeto, quando Monique ressalta a importância de “sentir aquela obra e colocar ali [no produto artístico derivado] o que é seu [do artista que realiza a reinterpretação] ”. A partir desse momento, os artistas discorrem sobre quais “partes de si” ou, ao menos, das suas visões artísticas foram colocadas nas escolhas de cores e símbolos para o mural, oferecendo reflexões que, se analisadas de forma mais ampla, ultrapassam a concepção daquela obra individualmente, e se estendem a um panorama geral sobre adaptações ou criações derivadas da interpretação pessoal de outras linguagens artísticas.

Nas entrevistas, enquanto esses tensionamentos vêm à tona, mostra-se ao fundo o andamento do mural, aumentando no público a expectativa de ver o trabalho pronto. O encerramento é, portanto, a cereja do bolo porque não somente revela o resultado final das interpretações dos muralistas acerca da obra de Monique, como também ressalta mais uma camada de transtextualidade presente no filme: a da obra cinematográfica em si, que agora associa, a partir da interpretação do diretor, pedaços do texto às partes do mural de forma progressiva até, por fim, satisfazer o espectador com a revelação do mural completo. Ora mais objetiva, como quando associa a pintura de um rio às partes do texto que mencionam água, ora mais subjetivo, como quando associa a “textura rígida de um sorriso inexistente” a um coração cinzento e despedaçado sustentado por árvores, a atuação dessa terceira camada interpretativa e criativa é extremamente bem-vinda para o fortalecimento da retórica do filme.

No entanto, embora possua um discurso relevante, além de um papel social importante no que tange ao registro da história de artistas regionais, é notório que em muitos momentos a experiência do espectador é prejudicada por falhas técnicas na execução do projeto. O som da obra, por exemplo, oscila de forma muito abrupta entre o baixo e o alto, o silencioso e o musicado, de modo que fica clara a necessidade de um refinamento maior na construção sonora da obra. Além disso, a escolha de algumas imagens mal enquadradas, como quando se mostra no início, com a linha do horizonte torta, um ônibus transitando pela universidade, e de imagens superexpostas, como quando aparece um dos muralistas transportando as tintas em um carrinho, dão a impressão de que havia mais sonoras do que imagens de cobertura adequadas para complementar a obra. Desse modo, Literatura em Mural constrói uma narrativa pertinente no quesito das interdisciplinaridades artísticas, mas carece, em alguns momentos, de bases técnicas mais estruturadas, o que compromete parcialmente a experiência espectatorial.


Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *