Filme Como Chorar Sem Derreter (Crítica 2)

Por Richerd Oliveira

O curta “Como Chorar Sem Derreter”, dirigido por Giulia Butler e produzido pela faculdade PUC-RJ, traz Elizabeth e o problema que surgiu de forma repentina em sua vida em forma de uma condição de saúde negativa: Um bloqueio do canal lagrimal. Na primeira cena da obra, há uma floresta e uma pequena casa com uma fechadura. Então, uma mão se estende e, com uma chave, abre a fechadura da casa que nos apresenta seus cômodos. Após isso, somos transportados para uma sala de exame, onde Elizabeth, nossa protagonista, se encontra em uma consulta com uma oftalmologista que explica a ela sobre sua condição e as razões para esta se desenvolver. A doutora explica e diz que a condição leva o nome de “Doença do Ator”, associando isto à busca dos atores em retratar, de forma realista, mas ainda sim fingida, sentimentos e emoções humanas a fim de criar uma sensação de verdadeiro, “congelando-as” com o propósito de quebrá-las apenas nos momentos necessários. Após sua consulta, Elizabeth volta para sua casa e a partir disso somos apresentados a uma garota até então desconhecida brincando com uma geleia, Eliza parece conhecê-la.

Sequencialmente, Elizabeth prepara a janta sob a companhia da garota enquanto corta cebolas. Nesse momento, até o simples ato de cortar cebolas não permite que Eliza chore, precisando que a garota fique responsável por borrifar partículas de água em seus olhos a fim de, ao menos, hidratá-los. Durante a janta, a garota novamente retoma a fala da Oftalmologista e diz à Eliza que sabe a razão pela qual ela não consegue chorar. A menina então diz que é necessário realizar alguns testes para ter certeza da condição de Eliza, que prontamente aceita participar.

Somos então levados a um laboratório, no qual Elizabeth se acomoda enquanto a garota prepara seus equipamentos para os seus testes. Fazendo uso de um estetoscópio, Elizabeth tem seus batimentos examinados pela menina, que afirma que seus sentimentos estão embaraçados. Eliza diz que sempre foi assim. A garota então explica que há várias camadas – sentimentos – das quais Elizabeth não se lembra. Eliza retruca dizendo que se retirar todas as máscaras – sentimentos – o que sobrará? Os testes continuam e a garota diz ouvir as lágrimas se formando e recomenda que Eliza pare de “engolir o choro”, que responde dizendo que não faz de propósito, até mesmo esquecendo de como chorar. A garota pergunta então o que faz quando está triste. Elizabeth responde de modo reflexivo, dizendo que não sabe e apenas espera. A garota pergunta “E se você não puder esperar?”, com Elizabeth respondendo uma última vez: “Tem anos que só choro com personagens” e a menina retruca “Mas você não é atriz”. O teste termina com Eliza respondendo a afirmação da garota, dizendo que, de fato, não é atriz. A sequência se encerra com a menina descobrindo a razão pela falta das lágrimas e Elizabeth ao lado da pequena casa que abriu no início da obra.

Por fim, somos apresentados a um equipamento com tubos e líquidos. Vestindo o equipamento, Elizabeth aguarda enquanto a garota começa a configurá-lo e insere, através de uma seringa, um líquido semelhante a lágrimas que passam pelos tubos do equipamento e vão até o rosto de Elizabeth, simulando um choro. A partir deste momento entendemos o propósito da engenhoca: Simular o choro para Elizabeth e permitir que ela se cure da sua condição. No fim desta sequência, há uma mudança de cenário do laboratório para Elizabeth sob a luz do sol e em uma floresta chorando de fato. O curta se encerra.

O curta, como um todo, diz respeito a dificuldade e quase impossibilidade de Elizabeth de poder chorar. Isso se reflete em muitos momentos com a expressão neutra que Eliza esbanja, nunca demonstrando nenhum sentimento sequer, mesmo sob a companhia da tal garota. A reflexão que a garota faz com Eliza sobre esta dificuldade que ela tem em aceitar os sentimentos e permitir senti-los, provoca em Elizabeth um questionamento e uma quebra do que seria essa impossibilidade de chorar. Sob um olhar mais narrativo, entendemos que o curta se trata de uma senhora tentando melhorar sua condição e uma garota que estuda sobre, e inventa um equipamento que a ajude para isso. Entretanto, a partir da análise simbólica do filme e pequenas pistas, é possível identificar que a tal garota nunca existiu e apenas estamos presenciando a reflexão da própria Elizabeth em seu interior psicológico. No primeiro momento da obra, somos apresentados a uma pequena casa com uma fechadura. Quando uma mão se estende segurando uma chave, abrindo a tal casa, somos apresentados a cômodos semelhantes aos que aparecem no curta. A partir disso, presenciamos sob a perspectiva de Elizabeth eventos rotineiros do dia a dia, mas que, subliminarmente, trata-se de observações da própria Elizabeth acerca do que ocorrera consigo mesma. Ela passa por diferentes cenários e momentos, sempre acompanhada da tal garota que nunca nos é revelado o nome. Nesta análise, é possível entender que a pequena casa se trata de uma representação do que seria os sentimentos e a mente de Eliza. A garota seria um dos personagens criados por ela mesma, retomando a fala dela durante os testes com a mesma garota onde Eliza diz que “há anos que chora com personagens”, retratando a menina como aquela faísca de esperança e humanidade que ainda há no coração de Elizabeth, pois é esta mesma garota que permite que Elizabeth finalmente se entregue aos sentimentos e chore. O que reforça este argumento são os momentos em que a pequena casa é observada no curta. No primeiro momento ela é aberta por uma chave pela própria Elizabeth, traduzindo como um embate interno sobre o que ela sofre: A supressão de sentimentos e como isso a prejudica.

A casa serve de objeto para retratar, de modo observável e palpável, o que seria esta adversidade que Elizabeth encara no momento e como, ao longo do curta, ela aceita que a casa não deve ser trancada, mas aceita do modo que é. Isto é mostrado brevemente em um momento, quando Elizabeth está sentada escorada na casa enquanto observa a câmera. A garota, sem nome e apenas acompanhando nossa protagonista, seria um daqueles personagens que Elizabeth menciona durante seu teste. A significância por traz dela é subjetiva, cabendo ao espectador compreender e assimilar da maneira que preferir. No entanto, a partir do que a obra apresenta, é compreendido que a garota nada mais é que uma concepção criada propriamente por Elizabeth como suporte neste seu momento de conflito interno gerado pelo longo intervalo de anos retendo os seus sentimentos mais profundos. As soluções que a garota oferece seriam as conclusões que Elizabeth fez a partir da autoanálise da sua natureza, do seu eu. Pode-se também que a garota seria Elizabeth mais nova, mas novamente, isso seria cabível ao próprio espectador deduzir.

Por fim, o equipamento utilizado por Elizabeth. Através das ações da própria garota e da cena final em que ela chora artificialmente através dos tubos que liberam “lágrimas”, pode-se entender como a fase de aceitação e reparação de Elizabeth quanto ao seu conflito interno. Isso é reforçado quando as luzes acima de Elizabeth piscam, indicando instabilidade e a redenção dela para com seus próprios sentimentos. A cena logo muda para Elizabeth na floresta, na mesma posição. O curta se encerra. Sob este viés e com a cena final, entende-se que tudo que observamos tratou-se de um conflito interno observado pela própria Elizabeth. A criação dos cenários, da casa e da própria garota partiu da mente de Eliza como recursos para permitirem uma recuperação mais eficaz e finalmente o acolhimento dos sentimentos por parte de Eliza. O curta apresenta planos estáticos e com uma fotografia cuidadosa, sempre buscando uma identidade visual natural, alternando entre cores frias e quentes dependendo da cena/contexto da obra. Todos os planos são estáticos, com a presença de muitos close-ups e planos detalhe, criando um ligeiro desconforto no espectador sob as circunstâncias que a protagonista se encontra. Apenas na cena final a obra adota a câmera na mão, passando um sentimento de naturalidade a partir do que acontecera na narrativa do curta. A escolha técnica de manter planos estáticos, transmite ao espectador que Elizabeth está em constante análise da sua vida, sempre refletindo sobre os momentos que passou e sua luta para tentar quebrar a barreira que a impede de sentir seus sentimentos. Quando finalmente sucede, o plano com uso da câmera na mão transmite essa conquista e, ao mesmo tempo, simboliza o alcance que Eliza conseguiu ao finalmente se conectar com seus sentimentos e seu lado humano natural.


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