Filme Como Chorar Sem Derreter (Crítica 1)

Por Ádria Sofia Dias Lage /

Primeiro você está em uma sala de cinema com amigos. Em seguida, do lado de fora, ouvindo sua amiga dizer que quer ir para casa chorar e comentando (você, não ela) que adquiriu a habilidade, sem saber ao certo se boa ou ruim, de evitar (ou fugir) do choro após a pandemia. Algumas horas depois, talvez como prova cabal de que estamos destinados a encontrar as coisas certas no momento certo, você está em casa assistindo a outro filme para escrever uma crítica, notando que de certa forma a protagonista é você (mas também é ninguém mais, ninguém menos que Betty Faria, reluzindo casualmente em um curta universitário).

Após muito tempo segurando o choro, uma mulher (reiterando: Betty Faria! Em um curta universitário!) recebe a estranha ajuda de uma criança para reverter a secura em seus olhos. Se a criança tivesse vinte e tantos anos e se chamasse Beatriz, essa poderia ser a minha história de horas atrás, mas na verdade é a premissa de Como Chorar Sem Derreter, dirigido e idealizado por Giulia Buttler, estudante de Cinema pela PUC-RIO. Trata-se de uma espécie de fábula contemporânea, carregada de uma poética intimista e ainda assim quase que universalmente identificável, afinal quem nunca, por pelo menos um dia na vida, sufocou tanto as próprias emoções que até assimilou esse modo de vida como natural, só se dando conta da própria repressão após um breakdown, como quem prende a respiração e só percebe quando a solta?

Um dos grandes méritos do projeto reside justamente na sua capacidade de identificação em níveis tão pessoais com o espectador, confrontando-no em camadas emocionais profundas e por vezes desconfortáveis, mas diluindo a visceralidade do tema em uma estética onírica e encantadora, com uma direção de arte e iluminação, minhas partes favoritas do filme (embora também não se possa ignorar o trabalho sonoro imersivo e repleto de camadas), que fazem o público se sentir dentro de um sonho infantil, com uma plasticidade que lembra os videoclipes antigos da Melanie Martinez ou, abrasileirando, a novela Meu Pedacinho de Chão, ambas referências que me agradam muito.

Outro ponto que me chama atenção no projeto é a inteligência da decupagem. Recentemente, um amigo que trabalha com audiovisual há pelo menos uma década comentou que se incomodava com a megalomania da maioria dos projetos universitários, que frequentemente se propunham a fazer planos muito abertos sem condições para preencher cenográfica e fotograficamente tal porção de tela. Talvez essa produção especificamente não tenha sofrido de formas tão profundas com a escassez de capital, mas ainda assim é um exemplo de que se pode obter ótimos resultados ao trabalhar com planos mais fechados, poupando o fôlego, a criatividade e os recursos universitários para compor satisfatoriamente espaços menores, ao invés de ressaltar as faltas por meio de planos que, devido às limitações inerentes às produções não industriais, não funcionam tão bem na prática.

Assim, Como Chorar Sem Derreter é um verdadeiro acalento ao coração, que nos lembra em seus visuais lindíssimos e muito bem pensados que, quando estamos perdidos dentro da nossa própria inabilidade emocional, talvez a resposta ainda seja encontrar e abraçar a nossa criança interior, assim como Elisa faz com a sua, e assim como eu e talvez a minha Amiga Companheira de Cinema deveríamos fazer ao esbarrar com as nossas.


Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *